Mais uma vez no seguimento de uma conversa, que não importa onde nem com quem, fui confrontado com a mais virgem das opiniões, aquelas que seguem o senso comum – talvez o melhor dos sentidos – acerca da maior proximidade da arquitectura contemporânea com uma caixa de sapatos do que própriamente com a tradição. Não vou discutir tratados, teorias ou convenções, basta pensar que sempre existiram e nunca impediram a compreensão da beleza da arquitectura de forma unânime. O Coliseu de Roma ou o Partenon emocionaram ¹ e continuam a faze-lo mesmo dependendo dos factores mais primitivos da arquitectura, como são a escala, a proporção e a construção – tectonic e steriotomic ².
(Partenon e Coliseu de Roma)
Se pensar-mos na arquitectura por períodos e abordarmos por exemplo os últimos 2000 mil anos de história, em todos eles, creio que com mais ou menos funções, a sua busca se pode resumir a uma frase de Gaston Bachelard³, “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite-nos sonhar em paz”, A poética do espaço. Independentemente do tipo de edifício de que falemos, a mais básica das suas funções é a de proteger, de refugiar, seja uma igreja, um castelo, ou um arranha-céus.
Todos os edifícios são feitos de formas, são volumes que geram espaço interior e exterior. Estas formas têm aspecto, tem contornos que ao longo destes últimos 2000 mil anos têm sido formulados e reformulados e, ultimamente extintos. Isto é, em cada período da história a construção arquitectónica sempre se empenhou em problemas concretos e os resultados foram acima de tudo verdadeiros. Quando no Românico se construía uma igreja com uma torre, com ameias, e com uma única porta de entrada, isto garantia o funcionamento do edifício e garantia uma outra função, a de defesa, uma vez que se viviam tempos de guerra; quando no Gótico se descobre o arco quebrado, isso permite construir edifícios mais altos, logo utilizemos essa imponência sob a forma de fé. E para não prolongar o tema, no Renascimento aquando de tempos prósperos, tanto de dinheiro como de talentos se descobre a perspectiva e se faz o primeiro tratado moderno de arquitectura4, a pesquisa recai sobre os ideais do novo homem universal, numa arquitectura reformulada a partir das gerações clássicas – grega e romana. Ultrapassando outros períodos também eles importantes, chegamos aquele que ainda hoje nos é caro, o Modernismo ou Movimento Moderno, fruto essencialmente das novas descobertas construtivas/materiais e de mais uns livros escritos ou palavras ditas, dos quais destaco “os cinco pontos da nova arquitectura” – Le Corbusier5 – e o “ornamento e crime” – Adolf Loos6 – que em muito contribuíram para aquilo que é hoje o espaço onde vivemos e que visto como período charneira, a sua importância é comparável ao Renascimento.
(Villa Savoye, Le Corbusier e Villa Müller, Loos)
As novas teorias propunham uma arquitectura, por um lado estandardizada – factor importante num período de pós-guerra e de profunda mecanização dos meios – e uma arquitectura livre de ornamento, livre de tradição decorativa, conceito que rompe com alguns milhares de anos. Adolf Loos dizia que poderíamos valorizar mais as coisas se nos libertássemos destes pormenores supérfluos, tanto na arquitectura como no vestuário ou no mobiliário. Na prática esta ideia consistia na eliminação de todo o ornamento arquitectónico quer fosse interior ou exterior. O resultado está um pouco por todo o lado, ora comparemos um percurso ao longo de uma rua de Florença com edifícios de habitação do século XVIII e XIX, com um percurso ao longo da uma rua no Parque das Nações. Não creio que neste segundo caso a emoção de que fala Le corbusier esteja sequer próxima daquela que se vive numa rua de Florença. Jacques Tati7 abordou esta temática sobretudo em filmes como “Mon Oncle” e “Playtime”, reflectindo de uma forma muito clara sobre o factor felicidade vs sociedade na cidade tradicional e na cidade modernista.
(Playtime)
(Playtime e Mon Uncle)
Não sei a quem se deve a totalidade deste problema, mas talvez tenha que ver com a escolha de um caminho demasiado despojado de referências para uma questão tão complexa, ora veja-se, se estamos em guerra, construímos igrejas fortaleza, se construímos melhor fazemos edifícios mais altos e mostremos que deus é maior, se sabemos mais, reformulemos conceitos, agora à imagem do homem e, finalmente se sabemos construir melhor e mais rápido…fazemos caixas de sapatos. Não quero de forma alguma ajuizar todo o modernismo, além de que sou seu grande adepto, simplesmente procuro confrontar realidades e sobretudo utilizadores.
(Mon Uncle)
Ainda que vivamos num período híbrido da construção arquitectónica – que é de todas as formas uma filiação do modernismo – o retorno à tradição foi ou está a ser reintroduzido. As caixas de sapatos vão sendo substituídas, ora por edificios de valor, ora por fenómenos da engenharia aliados a espíritos criativos capazes da coisas insólitas que poluem a paisagem das nossas cidades, tema que fica para uma próxima.
¹ “Aplicas pedra, madeira, betão, e com estes materiais constróis casas e palácios… Mas subitamente tocas o meu coração… Isso é Arquitectura.” Le Corbusier
² Ideia Construída – Alberto Campo Baeza (1946) _ Arquitecto Espanhol
³ Gaston Bachelard – (1884 – 1962) _ Filósofo Francês
4 por, Leon Battista Alberti (1404 – 1472) _ Artista Renescentista Italiano
5 Le Corbusier – (1887 – 1965) _ Nasce na Suiça e mais tarde naturaliza-se Francês, juntamente com Frank
Lloyd Wright e Mies van der Rohe, foi um dos arquitectos mais importantes do Movimento Moderno.
6 Adolf Loos – (1870 – 1933) _ Arquitecto e Teórico Checo
7 Jacques Tati – (1909 – 1982) _ Cineasta Francês
(Partenon e Coliseu de Roma)
Se pensar-mos na arquitectura por períodos e abordarmos por exemplo os últimos 2000 mil anos de história, em todos eles, creio que com mais ou menos funções, a sua busca se pode resumir a uma frase de Gaston Bachelard³, “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa permite-nos sonhar em paz”, A poética do espaço. Independentemente do tipo de edifício de que falemos, a mais básica das suas funções é a de proteger, de refugiar, seja uma igreja, um castelo, ou um arranha-céus.
Todos os edifícios são feitos de formas, são volumes que geram espaço interior e exterior. Estas formas têm aspecto, tem contornos que ao longo destes últimos 2000 mil anos têm sido formulados e reformulados e, ultimamente extintos. Isto é, em cada período da história a construção arquitectónica sempre se empenhou em problemas concretos e os resultados foram acima de tudo verdadeiros. Quando no Românico se construía uma igreja com uma torre, com ameias, e com uma única porta de entrada, isto garantia o funcionamento do edifício e garantia uma outra função, a de defesa, uma vez que se viviam tempos de guerra; quando no Gótico se descobre o arco quebrado, isso permite construir edifícios mais altos, logo utilizemos essa imponência sob a forma de fé. E para não prolongar o tema, no Renascimento aquando de tempos prósperos, tanto de dinheiro como de talentos se descobre a perspectiva e se faz o primeiro tratado moderno de arquitectura4, a pesquisa recai sobre os ideais do novo homem universal, numa arquitectura reformulada a partir das gerações clássicas – grega e romana. Ultrapassando outros períodos também eles importantes, chegamos aquele que ainda hoje nos é caro, o Modernismo ou Movimento Moderno, fruto essencialmente das novas descobertas construtivas/materiais e de mais uns livros escritos ou palavras ditas, dos quais destaco “os cinco pontos da nova arquitectura” – Le Corbusier5 – e o “ornamento e crime” – Adolf Loos6 – que em muito contribuíram para aquilo que é hoje o espaço onde vivemos e que visto como período charneira, a sua importância é comparável ao Renascimento.
(Villa Savoye, Le Corbusier e Villa Müller, Loos)
As novas teorias propunham uma arquitectura, por um lado estandardizada – factor importante num período de pós-guerra e de profunda mecanização dos meios – e uma arquitectura livre de ornamento, livre de tradição decorativa, conceito que rompe com alguns milhares de anos. Adolf Loos dizia que poderíamos valorizar mais as coisas se nos libertássemos destes pormenores supérfluos, tanto na arquitectura como no vestuário ou no mobiliário. Na prática esta ideia consistia na eliminação de todo o ornamento arquitectónico quer fosse interior ou exterior. O resultado está um pouco por todo o lado, ora comparemos um percurso ao longo de uma rua de Florença com edifícios de habitação do século XVIII e XIX, com um percurso ao longo da uma rua no Parque das Nações. Não creio que neste segundo caso a emoção de que fala Le corbusier esteja sequer próxima daquela que se vive numa rua de Florença. Jacques Tati7 abordou esta temática sobretudo em filmes como “Mon Oncle” e “Playtime”, reflectindo de uma forma muito clara sobre o factor felicidade vs sociedade na cidade tradicional e na cidade modernista.
(Playtime)
(Playtime e Mon Uncle)
Não sei a quem se deve a totalidade deste problema, mas talvez tenha que ver com a escolha de um caminho demasiado despojado de referências para uma questão tão complexa, ora veja-se, se estamos em guerra, construímos igrejas fortaleza, se construímos melhor fazemos edifícios mais altos e mostremos que deus é maior, se sabemos mais, reformulemos conceitos, agora à imagem do homem e, finalmente se sabemos construir melhor e mais rápido…fazemos caixas de sapatos. Não quero de forma alguma ajuizar todo o modernismo, além de que sou seu grande adepto, simplesmente procuro confrontar realidades e sobretudo utilizadores.
(Mon Uncle)
Ainda que vivamos num período híbrido da construção arquitectónica – que é de todas as formas uma filiação do modernismo – o retorno à tradição foi ou está a ser reintroduzido. As caixas de sapatos vão sendo substituídas, ora por edificios de valor, ora por fenómenos da engenharia aliados a espíritos criativos capazes da coisas insólitas que poluem a paisagem das nossas cidades, tema que fica para uma próxima.
¹ “Aplicas pedra, madeira, betão, e com estes materiais constróis casas e palácios… Mas subitamente tocas o meu coração… Isso é Arquitectura.” Le Corbusier
² Ideia Construída – Alberto Campo Baeza (1946) _ Arquitecto Espanhol
³ Gaston Bachelard – (1884 – 1962) _ Filósofo Francês
4 por, Leon Battista Alberti (1404 – 1472) _ Artista Renescentista Italiano
5 Le Corbusier – (1887 – 1965) _ Nasce na Suiça e mais tarde naturaliza-se Francês, juntamente com Frank
Lloyd Wright e Mies van der Rohe, foi um dos arquitectos mais importantes do Movimento Moderno.
6 Adolf Loos – (1870 – 1933) _ Arquitecto e Teórico Checo
7 Jacques Tati – (1909 – 1982) _ Cineasta Francês
fabio (cu centrale)
2 comentários:
muito bom
parabéns pelo post amigo :)
acho q preciso de ler outra vez...ja nao sao horas para seler..de todas as formas tava com curiosidade, hoje li um texto do rui alves, do nosso belo caderno branco..nao sei pq o trouxe cmg, mas no meio de todas as coisas importantes a enviar para portugal, estava este caderno branco e um belo texto.. que to envio depois, pq hoje ja é tarde..
De todas as formas acho que se percebe muito bem aquilo que dizes.
Surgiram em tempos diferentes de acordo com necessidades diferentes, sao "palacetes", sao caixas de sapatos...desde que respondam a uma primeira necessidade o refugio e o bem estar. Sao todas diferentes, porque as formas de resolver um projecto variam, e as pessoas que as utilizam nao sao todas iguais, temos que respeitar as decisoes, aprender a responder eficazmente, tendo em conta o bem estar dos utilizadores e a envolvente..
Se italia, a nivel da faculdade, nao me serviu para mais nada, ensinou-me uma liçao de humildade, que acho que algures, ja nao me lembro onde,se perdeu...
As caixas de sapatos estao bem, mas os mamarrachos que o teu amigo engenheiro faz sera que estao assim tao maus?!Sim os dele de certeza que sim, uma vez que nao existe preocupaçao em como dispor os espaço de acordo com a luz..mas quem tem essa preocupaçao e garante um espaço confortavel e de bem estar...ainda que a coisa mais feia, mais "collage", mas que no entanto se adequa ao que lhe esta em torno (coisinhas, prendinhas iguaizinhas a ela), que satisfazem o cliente, utilizador...sera que esta assim tao mau...
Continuo a acreditar na nossa arquitectura, aquilo que nos foi transmitido. Continuo a acreditar, que qd trabalhar, pelos argumentos mais logicos vou conseguir convecer algumas pessoas, mas se a felicidade de um cliente e a minha estabilidade monetaria depender de fazer um bolo de noiva, faço-o o melhor que puder
...as caixas de sapatos sao bolos de noiva desprovidas de todos os elementos supérfluos...
O principio e objectivo é o mesmo. Quis interpretar o teu texto aplicando a caso particulares, das nossa muitas conversas de bolos de noiva e caixas de sapatos..sabendo que nao é so a edificios de habitaçao que te referes...
bem como podes ver ando com ego la no fundinho, aprendi uma liçao muito grande..
ig
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