quinta-feira, 14 de junho de 2007

2 minutos e meio


Mergulhar.
Nesta onda de calor que faz ferver mais que o pavimento das nossas ruas, as telhas da nossa casa.
Na piscina atiro-me de pés. A técnica de anos permite-me passar a resistência da água facilmente. Bato no fundo de quatro metros, em um décimo de segundo. Só isto, digo para mim, com ouvidos a latejar.  Seria dantes mais profundo?
Liberto o ar que me puxa. Sento-me no fundo. Sem nunca perder a calma. Olha à volta, no silêncio, vejo as crianças e amigos. Atiram-se também da prancha. Splash! Lutam para subir sobre a minha cabeça.
Desprendo mais um pouco e deito-me de costas no fundo. Não requer concentração nem força de vontade. Mas sim desprendimento.
Lembro-me de ficar com o meu amigo Daniel no final do treino. Estávamos meia hora a praticar apnéia com o cais vazio e os pais lá fora à espera dos pequenos. Tínhamos técnicas diferentes e definíamos etapas. Começávamos por aquecer com 25 metros, o Daniel com a calma de um bom menino, “Pretty boy!” Costumava eu pensar. Eu ia a queimar cartucho, era a minha técnica, chegar o mais depressa ao outro lado. Finalizávamos o nosso mini treino com 50 metros e íamos embora a gabar a nossa capacidade mental.
Num desses treinos da nossa vida passada, contou-nos o nosso treinador que quando era mais novito tinha sido capaz de executar 75 metros. Fiquei as 2 horas do treino a pensar nisso e quando chegamos ao final propus ao Daniel para tentarmos o mesmo sobre a supervisão do nosso treinador, não só para não esticarmos o badagalho como também para comprovar o nosso record caso os nossos egos disso tivessem necessidade.
Empurrei a parede com toda a força e senti bolhas a envolver-me, a água a separar-se pelas mãos unidas. Ao sentir o afrouxamento iniciei a batida. A minha técnica consistia de ir braços bem firmes e esticados para a frente, cabeça apertada entre eles e pernada de mariposa forte. O Dani não vi como partiu. Mas terá sido assim: Terá empurrado a parede com alguma força. Aproveitou o deslize ao máximo e iniciou a técnica de bruços. Dava um safanão com as pernas, esperava uma eternidade e puxava com os braços, demorava outra eternidade a começar o próximo ciclo.
Os primeiros 25 metros fizeram-se sem qualquer esforço, cheguei a pensar que seria possível fazer os 100. Na viragem é quando se sente o primeiro aperto. O organismo avisa que algo não está bem. Para respirar! Ignorei e continuei. Fechei os olhos e tentei abstrair-me. Com os pulmões a latejar, sozinho no meu mundinho sem cor ou som, senti as mão na pedra, virei e empurrei-a com toda a força que tinha. Porquê que estava a fazer aquilo? Só queria respirar. Tão básico, tão selvagem, que tolda a mente por completo. O medo… o medo só vem depois. O coração bate tão forte que o consigo ouvir! Abro os olhos. Por entre a visão rasgada pelo o branco da adrenalina, vejo que ainda estou longe da parede! Longe demais. Liberto ar, arregenho os dentes, fixo os olhos na parede. Acelero. Consigo ouvir o coice dos pés a mover os blocos de água, pernada apôs pernada. Apetece-me gritar. Não posso! Perco a visão. O ar explode pela minha boca. Disparo para cima. RESPIRAR, RESPIRAR, RESPIRAR. Tiro os óculos da cara e apercebo-me que estava a cerca de 10 metros da parede.
Olho para a pista do lado e vejo debaixo de água o vulto do Daniel a vir detrás e a passar por mim muito lentamente. Fico-o a ver, a aproximar-se cada vez mais da parede. Bolhas a subir e uma cabeça a emergir com calma a um braço da parede. Fiquei a pensar no que é que ele tinha que eu não tinha? Como é que tinha sido capaz? Não sei se chegou a tocar na parede, também nunca lho cheguei a perguntar. Essa foi a ultima vez que ficamos até tarde a treinar apnéia. Uns meses depois o Daniel retirou-se da natação de competição e eu fiquei por mais um par de anos.
Tocaste?
Do fundo dos 4 metros liberto todo o ar e fico tão pesado quanto posso ficar. Tenho apenas alguns segundos até perder consciência. Mantenho a tranquilidade. Abro os olhos. Sento-me. Meto-me devagarinho de pé. Dou aos pés lentamente em direcção à superfície, para onde olho. É com calma, apenas com calma.

Rike(cu destro)

1 comentário:

Anónimo disse...

boa boa puto,belo post.dentro de água até as recordações te ficam mais claras:)
o proximo treino é o do mergulho de cabeça:)