Lembro-me como desenhavas asas...
-Gosto de "coisas" com asas... - Dizias em pequena. Eu ria de ti na minha inocência. Devo confessar que me dava um "prazer infantil" gozar contigo. Afinal o parvinho era eu. Era eu que não tinha capacidade de perceber o que querias dizer com isso. Então gozava contigo para esconder essa minha confusão dotada de uma certa inveja. Conheces bem este meu "orgulhosinho".
Crescemos, mudámos, mas não mudou essa tua fixação por asas. De canetas de feltro e folhas de papel passaste a algo mais sério. Querias ser pintora. Querias ser artista. Oleo e telas se seguiram. Depressa a escola primária se tornou na faculdade de belas artes. As asas tomavam agora forma nas costas de um rapaz. De uma figura masculina que tanto representavas nas tuas obras. Cara triste, uma cara de "anjo caido" saltava sempre à vista. Sim, nunca me disseste quem era ele, ou como se chamava. Decidi chamar-lhe "anjo", porque era aquilo que a mim me parecia.
Ficaste distante. Ficámos distantes. Sinto que já não te conhecia. Pelo menos já não sabia o que ia ai dentro. Agora que penso nisso, se calhar, nunca soube.
As asas, que pertenciam a este "anjo", já não eram os simples "rabiscos" de outrora. Composições complexas, de traços simples a técnicas aperfeiçoadas ao longo dos anos através de muito trabalho, dotadas de um conteúdo que vai para além da compreensão de todos. Mas havia também outra coisa... Os teus trabalhos estavam a tornar-se progressivamente mais negros. Negra também era a tua relação com as pessoas. Desculpa se eu não soube lidar com isso. Nunca parei para pensar.
Sinto-me estranho, dou por mim sem saber como agir. Como agir com as pessoas e comigo mesmo. Acho que preciso de tempo. Tempo para perceber que não estás. Não estás pois não?
Mete-me raiva. Mete-me raiva saber que não te posso abraçar ou simplesmente dizer o quanto gosto de ti. O quanto gostamos todos de ti.
Há muita coisa que eu ainda não percebo, mas também não me cabe a mim julgar-te no meu egoismo.
Quero ir para casa, quero encontrar-te à minha espera. Quero ouvir o teu piano uma última vez. Quero-te ouvir gabar. Quero ficar com aquela "inveja". Não te quero ver partir sem primeiro ouvires um "amo-te". Sem veres uma lágrima na cara de cada um que nunca te esqueceu, nunca te vamos esquecer. Quero ver-te sorrir, rir dos meus disparates como quando éramos crianças. Não vás... fica... não faças isso... tarde de mais... não quero...
Espero que estejas com as asas que sempre desejaste. Porque as minhas, Mariana... As minhas são para ti...
Cara de Cu
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